Por Leonardo Mello de Oliveira e Émerson Vasconcelos
Quando décadas de cronologia se acumulam, é normal que as editoras resolvam remexer no passado dos heróis. Através do recurso de roteiro conhecido como retcon, são inseridos ou retirados elementos de forma retroativa. Isso vale para quando se precisa complementar algum ponto obscuro e contextualizar um novo elemento no presente ou para apagar algo que foi feito. Só que muitas vezes o artifício provoca confusão e piora a situação.
Conheça aqui alguns dos mais bizarros retcons já feitos nas HQs de super-heróis.
Tony Stark era controlado por Immortus

Aqui na verdade temos um amontoado de retcons ruins instituídos na década de 1990. Primeiro foi revelado que Tony Stark estava sendo controlado por Immortus, uma versão de Kang, o Conquistador. Depois disso uma versão jovem de Tony, conhecido pejorativamente como Tonynho por boa parte dos fãs brasileiros, é trazida para derrubar o seu eu maligno. Depois de cumprir a missão, a versão adolescente segue no presente como Homem de Ferro e toda a confusão que isso geraria na linha do tempo foi sumariamente ignorada. Foi então que veio a saga Massacre, na qual Tonynho aparentemente se sacrificou ao lado dos Vingadores e do Quarteto Fantástico e renasceu no universo paralelo de Heróis Renascem, onde foi mostrado já na idade adulta. Quando os heróis Marvel foram trazidos de volta à sua Terra, Tony voltou adulto e nunca mais se falou em Immortus ou versão adolescente, concretizando um retcon para consertar outro.
Guy Gardner é um Vuldariano

Na metade da década de 1990, o mais rabugento e divertido Lanterna Verde da Terra já não era membro da tropa esmeralda havia alguns anos e tinha usado por um período considerável de tempo o anel amarelo do vilão Sinesto. Só que a DC Comics não estava feliz com a simples troca de cor do artefato que dava poderes a Guy Gardner, ela queria distanciar de vez o personagem, que na época usava o codinome Warrior, dos lanternas. Foi aí que, aproveitando a mexida na cronologia provocada pela saga Zero Hora, a editora revelou que Guy desconhecia sua verdadeira origem e que ele era, na verdade, um alienígena, mais precisamente um vuldariano. O que isso quer dizer? Basicamente que ele passou a ter superforça e que armas passaram a literalmente brotar de seu corpo. Ah sim, ele também ganhou um visual repaginado, com estranhas “pinturas” corporais. Tudo isso foi esquecido depois que ele voltou para a Tropa dos Lanternas Verdes e o termo “vuldariano” não é citado na DC desde então.
A segunda equipe de X-Men foi morta em Krakoa

Oficialmente, Charles Xavier recrutou Wolverine, Tempestade, Noturno, Colossus, Banshee, Solaris e Pássaro Trovejante para formar sua segunda equipe de X-Men e salvar o grupo original, que estava preso na ilha viva de Krakoa. Na saga Gênese Mortal, de Ed Brubaker, foi revelado que Xavier havia recrutado uma equipe anterior, que acabou morrendo na tentativa de resgate, o que o fez recorrer aos mutantes estrangeiros. Xavier também apagou da mente de Ciclope tudo o que ele sabia sobre o ocorrido. Um dos membros dessa equipe era Gabriel Summers, o irmão perdido de Ciclope e Destrutor, chamado de Vulcano. Ele sobreviveu à missão, se mantendo em estase, até ser despertado pela energia mutante dissipada pela Feiticeira Escarlate quando esta tirou os poderes de quase todos com gene X. Vulcano revelou ao mundo os atos de Xavier. Além de “vilanizar” ainda mais o já controverso Professor X, o retcon bagunçou ainda mais a árvore genealógica complicada da família Summers.
Peter Parker e Mary Jane nunca foram casados

No arco “Um Dia a Mais”, o Rei do Crime tentou matar o Homem-Aranha. No entanto, o assassino contratado errou o alvo e acertou a Tia May. Desesperado em busca de uma maneira de salvar a vida da tia, Peter recorre a um pacto com o demônio Mephisto. Na época, a identidade do Aranha era pública, e Peter era casado com Mary Jane já há alguns anos. No pacto, Peter teria que abrir mão de seu casamento com Mary Jane. Todos perderiam quaisquer memórias sobre o casal ter sido marido e mulher. Em troca, a Tia May viveria e Peter iria recuperar a identidade secreta. Além de apelar a um mal formulado deus ex machina para fazer com que o status quo do personagem voltasse às origens, o retcon apagou 20 anos de história do Aranha e jogou no lixo muito da evolução de Peter como personagem.
Superboy Primordial refaz a realidade a socos

Em 2006, quando lançou a saga Crise Infinita, a DC Comics explicou, usando um argumento pelo menos duvidoso, todos os retcons e incoerências de cronologia ocorridos desde 1986. Foi explicado que todas as mudanças ocorreram porque o Superboy Primordial, um dos sobreviventes da Crise nas Infinitas Terras, socava as paredes da realidade enquanto estava preso em uma espécie de bolha dimensional. As várias versões da Patrulha do Destino, as múltiplas origens do Superman e até a ressurreição do segundo Robin, Jason Todd, foram justificadas desta forma. Em resumo, uma espécie de bebê chorão superpoderoso remexia na cronologia da DC até que tudo ficasse como ele queria. Até hoje o termo “socos na realidade” é usado como chacota por fãs de quadrinhos para se referir a furos de roteiro ou retcons que não se encaixam direito no passado dos heróis.
Gwen Stacy foi amante de Norman Osborn

Na história “Pecados Pretéritos”, o roteirista J. Michael Straczynski decidiu mexer no passado de Gwen Stacy, a namorada de Peter que morreu nas mãos do Duende Verde. O arco revelou que Gwen teve um caso com Norman Osborn, o Duende Verde original e aquele que seria seu assassino, ainda quando namorava com Peter. Desse relacionamento, teve dois filhos gêmeos, que foram treinados por Osborn para matar o Homem-Aranha. Além disso, o Duende teria matado a garota porque ela estava mantendo os gêmeos longe dele. Gwen sempre foi uma personagem amada pelos fãs do Aranha, com um papel vital para a evolução de Peter e da própria narrativa em quadrinhos, já que o arco da sua morte marca o fim da Era de Prata e o início da de Bronze. O retcon nunca foi oficialmente apagado, embora há algum tempo os gêmeos tenham parado de aparecer nas HQs e o relacionamento entre Gwen e Norman tenha deixado de ser mencionado.
Nick Fury era um agente espacial protetor da Terra

Na saga “Pecado Original”, de Jason Aaron e Mike Deodato Jr., Nick Fury se revelou como um agente secreto responsável por exterminar ameaças alienígenas. Ele foi recrutado por Howard Stark nos anos 50 para o serviço, e, desde então, atuava através do espaço matando qualquer um que pudesse ameaçar a Terra. Também é descoberto que Fury assassinou o Vigia, buscando uma maneira de prever possíveis perigos externos ao planeta. A saga como um todo originou diversos retcons, mas nenhum modificou tanto a história de um personagem como o de Fury. De âncora moral e agregador dos heróis da Marvel, o personagem se tornou um mero mercenário espacial.
Tim Drake nunca foi Robin no universo dos Novos 52

Durante o reboot dos Novos 52, a DC teve alguns problemas para ajustar a nova cronologia. Foi definido que os heróis estavam operando há cinco anos na Terra. No entanto, a editora decidiu que alguns elementos mais populares do universo anterior seriam mantidos, de forma que a cronologia do Batman e do Lanterna Verde teria poucas modificações. No início, foi estabelecido que Tim Drake continuava sendo o terceiro Robin. Entretanto, como forma de ajustar as histórias ao período de cinco anos, os editores resolveram fazer com que Tim nunca tivesse sido Robin, apenas Robin Vermelho, sua atual identidade heroica. Sem maiores explicações, na edição zero da revista dos Novos Titãs, é dito que Tim não quis assumir o manto de Robin em respeito à recente morte de Jason Todd. Além de se contradizer, a editora tirou a alcunha de Robin de um dos personagens que mais marcou como Menino-Prodígio.
Tony Stark não é filho biológico de Howard e Maria

Em algum momento o corpo editorial da Marvel pensou que seria interessante mexer na origem de Tony Stark, mas não no ponto em que ele se tornou herói. A mudança atingiu um ponto anterior, na verdade muito anterior, o nascimento do bebê que viria a se tornar o Homem de Ferro. Foi então que, em 2016, o roteirista Brian Michael Bendis apresentou aos leitores a versão vigente dos fatos. Grávida, uma agente da Shield descobre que seu marido, também integrante da corporação, trabalha para a Hydra. Ela resolve entregar seu filho para adoção e é então que Howard e Maria Stark entram na história. A revelação, no entanto, não teve impacto profundo na vida do personagem, uma vez que logo veio a Guerra Civil 2, que tirou Tony de cena por tempo indeterminado.
A tia May que morreu era uma impostora

Durante a Saga do Clone da década de 1990 aconteceram muitas coisas que os fãs do Homem-Aranha adorariam esquecer. No entanto, a trama teve pontos altos, como a apresentação do Aranha Escarlate e a morte da Tia May. Só que quando a Marvel percebeu que os fãs estavam odiando o contexto geral da saga, ela foi terminada e praticamente todos os seus efeitos foram anulados. Para fazer esta anulação a editora recorreu a meios extremos, como inventar uma desculpa esfarrapada para o retorno da viúva de Ben Parker. May reaparece viva e Peter Parker descobre que sua tia estava presa em um cativeiro a mando de Norman Osborn. A May que morreu não passava de uma atriz com doença terminal que topou ser modificada geneticamente para se tornar idêntica a May e interpretar seu maior papel no momento da morte. Logicamente, dado o contexto da saga que havia terminado, era mais fácil dizer que a falecida era um clone, mas naquele momento, devido à rejeição, a Marvel não arriscava sequer citar clonagem nas HQs do Amigão da Vizinhança.